"Rabugenta, mas sempre amiga"

Hoje tive um almoço de família. Éramos para lá de 120 pessoas.

Para melhor celebrar o encontro, foram compiladas, num livrinho, as memórias que todos temos daquela que era, simultâneamente, a Mãe, a Avó, a Bisavó e a Trisavó desta prole enorme. Falo-vos da minha Bisavó Estefânia, Mãe da minha Avó paterna, a Avó do meu coração.

Este foi o meu contributo.

"Tenho o raro privilégio de ter conhecido as minhas quatro bisavós. De todas guardo boas recordações. Mas é da Bivó Faninha, que me acompanhou até aos meus 14 anos, que mantenho as memórias mais vivas e felizes.

As memórias que guardo da Bivó têm muitas cores. Têm o colorido festivo da cascata em socalcos que surgia pelo S. João, num dos bancos do jardim, como que para nos dar as boas vindas à sua casa de sempre, em Delfim Maia. Têm a cor do preto que a Bivó sempre vestia. E do bréu que invadia a sala do bilhar quando nós bisnetos, sempre irrequietos, escolhíamos brincar ao quarto escuro.

Têm também sabores e cheiros. Têm o sabor dos rebuçados de fruta que saiam às dúzias dos bolsos generosamente fundos da Bivó para nos encher as mãos e preencher o coração. Têm o gosto do «chocolate» imaginário que não creio ter alguma vez comprado com os escudos que a Bivó oferecia, apesar da sua advertência de que a nota deveria servir para, apenas e tão só, esse fim. Têm ainda o cheiro a miolos quentinhos. Saiam do forno em travessas ou conchinhas e eram polvilhados com pão ralado, mestria de quem sabia cozinhá-los, e amor. Nutriam a nossa infância. Com a ajuda de litradas de laranjina C.

As memórias que guardo da Bivó Faninha são feitas, também, de outras pessoas. Delas fazem parte os primos bisnetos, cuja idade próxima era condição suficiente para que entre nós fosse disputada a (im)possibilidade de nos mantermos suspensos por algum tempo nas argolas do jardim. E o Sr. Manuel, por vezes rezingão mas quase sempre tão fiel para com as meninas «gémeas» como para com os cigarros que fumava.

A Bivó Faninha dizia-se «rabugenta mas sempre amiga».

E eu acho que ela foi, efetivamente, sempre muito minha amiga.

Sobretudo porque, para além destas boas memórias, me deixou a melhor Avó que eu poderia alguma vez sonhar ter."

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