Nas férias sobrou-me tempo, já vos disse. Também porque escolhi pôr de lado os livros.
Os livros fazem-me bem mas impõem que mantenha os olhos baixos, que esteja mais embrenhada em mim própria, em silêncio e resguardo. E não era isso que eu queria. O que eu queria era amarrar o meu olhar à altura deles. Aprender com as suas demonstrações de valentia e desafio face às ondas e à temperatura baixa daquelas águas. Festejar com eles a acrobacia de cada mergulho. E sentir como são ainda mais salgados os seus salpicos de mar.
Ainda assim - e até porque o S. lia um livro do seu filho Miguel - foi inevitável recordarmos, os dois, várias vezes Sophia. Falámos de como ela passava os Verões naquele local, “numa casa em que tinha só um fogareiro e um fogão de dois bicos, não tinha sequer esquentador.” De como ela terá ali encontrado “uma nova forma do visível, sem memória clara como a cal concreta”. De como terá aprendido ali a “viver rente, ao instante mais nítido e recente”.
Uma manhã fomos à praça para ver os peixes e escolher o melhor - o mais fresco - para o nosso jantar.
Encontramo-lo na banca de uma peixeira faladora, junto a uma parede onde estavam inscritas estas palavras de Sophia:
“… vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra…”
Naquele instante não soube de onde emanava mais intensamente o maravilhoso cheiro a mar.
Se do peixe.
Se da poesia dela.
Os livros fazem-me bem mas impõem que mantenha os olhos baixos, que esteja mais embrenhada em mim própria, em silêncio e resguardo. E não era isso que eu queria. O que eu queria era amarrar o meu olhar à altura deles. Aprender com as suas demonstrações de valentia e desafio face às ondas e à temperatura baixa daquelas águas. Festejar com eles a acrobacia de cada mergulho. E sentir como são ainda mais salgados os seus salpicos de mar.
Ainda assim - e até porque o S. lia um livro do seu filho Miguel - foi inevitável recordarmos, os dois, várias vezes Sophia. Falámos de como ela passava os Verões naquele local, “numa casa em que tinha só um fogareiro e um fogão de dois bicos, não tinha sequer esquentador.” De como ela terá ali encontrado “uma nova forma do visível, sem memória clara como a cal concreta”. De como terá aprendido ali a “viver rente, ao instante mais nítido e recente”.
Uma manhã fomos à praça para ver os peixes e escolher o melhor - o mais fresco - para o nosso jantar.
Encontramo-lo na banca de uma peixeira faladora, junto a uma parede onde estavam inscritas estas palavras de Sophia:
“… vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra…”
Naquele instante não soube de onde emanava mais intensamente o maravilhoso cheiro a mar.
Se do peixe.
Se da poesia dela.
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